Sou o José Maurício Lomelino Alves (Joe Alves). Em 1957, ano em que emigrei com os meus pais e irmão com destino a San José, Califórnia, era aluno do 2º ano no Liceu de Ponta Delgada. Com grande interesse pela minha ascendência Portuguesa fui um dos fundadores da "Aliança Açoriana", com sede em San Diego, e do Centro Histórico Português de San Diego, de que sou Presidente Emérito e ex-Presidente do "Festival Cabrillo" de San Diego. Em 1988 fui agraciado com a Medalha de Mérito pelo Governo Português, com o Grau de Comendador em reconhecimento de contribuições a favor do desenvolvimento dos interesses culturais Portugueses na área da Califórnia. Contribuí para a publicação dos livros "Festas do Espírito Santo - Uma Perspectiva Histórica dos Portugueses na Califórnia", e "Capelinhos: As Sinergias de um Vulcão - Emigração Açoriana para a América" pelo coordenador Tony Goulart.

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Antes de partir de São Miguel para a América, haviam os inevitáveis afazeres da última hora e as despedidas. Os meus pais eram meticulosos sobre os parentes e amigos a quem tinham que dizer adeus e isso foi assunto que ocupou grande parte do tempo durante as últimas semanas na ilha. No entanto, o último dia era importante na medida em que o meu pai tinha deixado certas pessoas de quem se despedir nas últimas horas. Não me lembro exactamente quem eram mas lembro-me que viviam na Ribeira Grande.

Para a viagem à Ribeira Grande, meu pai usou o automóvel de meu avô, um Mathis de 1927. O carro pertencia à família desde que tinha sido comprado por João, um irmão da minha avó, em 1927 numa viagem que este fez a França. Interessante foi que o número do registo era AR 19-27. Após o falecimento do seu cunhado, o meu avô comprou o automóvel que se tornou o carro da família Alves para uso dos demais parentes.

Meu pai foi o primeiro dos filhos a aprender a guiar, seguido pelos meus tios Francisco e José, e mais tarde as minhas tias Maria do Carmo e Maria José. Para as raparigas aprenderem a guiar foi um acontecimento notável já que seriam entre as primeiras senhoras a conduzir em Ponta Delgada. Meu avô também aprendeu a guiar no entanto não me lembro dele o fazer. Não havia necessidade disso.

O carro era preto, com o volante no lado direito, acomodações para cinco pessoas e um motor com potência de 10 cavalos. Uma caixa, atarraxada a traz, sobre a qual se encontrava o pneu de socorro, servia de porta bagagem. O limpa pingas era manobrado manualmente do interior. O automóvel era um convertível com quatro portas mas eu nunca vi a capota aberta. Perguntei uma vez porque não abriam a capota e a razão que me deram foi que o fechar e abrir da capota causava estrago e capotas não eram fáceis de se obter.

O velho carro com o meu avô, o meu pai, a minha avó e uma das minhas tias O motor era o cúmulo de simplicidade. O carburador entupia com facilidade mas desatarraxava-se um parafuso que tinha na parte de cima, tirava-se a tampa para chegar ao filtro e, dando-lhe uma boa assopradela, era o bastante para arrancar sem grande dificuldade. Mas as rodas eram um problema por serem sólidas e, com o uso tinham tendência para enferrujar à volta dos parafusos e se desprenderem da armação.

No dia das últimas despedidas eu fui com o meu pai na viagem à Ribeira Grande seguindo a estrada calcetada, com árvores altas em ambos os lados, algumas casas grandes, campos de milho e trigo, pomares e, pouco antes de chegar à Ribeira Grande, o aeroporto.

O aeroporto em Sant'ana era um pasto, mobilizado durante a Segunda Guerra, como pista de uso para os aviões estacionados em São Miguel. Mais tarde ficou sendo a base de operações da então recentemente criada companhia de aviação SATA. O aeroporto era conhecido como o "aerovacas de Sant'ana".

Regressando a Ponta Delgada, vindos da Ribeira Grande, ao aproximarmos da área onde agora está localizado o novo estádio de futebol, tivemos um furo num pneu. O meu pai montou o pneu de socorro e seguimos o nosso caminho. Ele mal tinha andado um quilómetro quando a roda direita da frente deslocou do eixo. Sem outro pneu de socorro para remediar a questão a única coisa a fazer foi esperar por alguém que nos desse uma boleia para Ponta Delgada e levar connosco o pneu de socorro para consertar e depois voltar e mudar a roda destacada. Considerando que isto se passava em 1957, quando não haviam muitos veículos na estrada, o primeiro sinal de ajuda foi um camião de lixo. O camião parou, o meu pai explicou a situação, nós entrámos para a lixeira com o pneu furado com destino à garagem para conserto.

Finalmente com o pneu consertado, destinámos novamente de táxi para o carro, mudámos o pneu, levámos o automóvel para a casa de meu avô e andámos para a nossa casa. A viagem constou de três fiascos.

Uma coisa que os meu pais tinham feito nas despedidas foi dizer "adeus" mas sem dizer a ninguém, amigos ou família, a data exacta da nossa partida. No entanto, naquela altura, as chegadas e saídas de barcos eram publicadas nos jornais e claro, o segredo não foi segredo, porque não haviam muitos navios que faziam viagens de Ponta Delgada para Nova Iorque. Os únicos membros da família que não sabiam da nossa viajem eram as tias da minha mãe, Arsénia e Mariquinhas com quem nós vivíamos. A minha mãe tinha grande dificuldade de lhes dizer adeus por causa das suas idades avançadas e não só mas tinham sido elas que a tinham recebido quando ela chegou aos Açores com rapariga.

A 9 de Maio de 1957, nós fomos para a doca onde o navio, Monte Brasil estava atracado. A noite era escura e fria. Na doca estavam os meus avôs, os irmãos e irmãs de meu pai que viviam na Ilha, e alguns dos membros da família da minha mãe. Era o momento para os abraços e beijos finais, desejos de boa sorte e a oportunidade final de perguntar se os meus pais estavam na verdade tomando uma boa decisão.

Por volta das 22 horas nós embarcámos e pouco depois o navio saiu a caminho da Terceira, Faial e finalmente Nova Iorque.


José Maurício Lomelino Alves
Vista, Califórnia
© JMLA 2010